breve fábula 1 (continuação)

como a achou especialmente bonita naquela tão clara manhã. O cabelo pingava a cheiro de flor de açaí, um odor doce, herbal, inebriante. As cores garridas do traje, misturadas sem tempo, brilhavam nas suas gigantes pedras amarelas, quase impossibilitando-o de fechar as pálpebras.

Hoje, ela olhava-o de forma diferente, até sorrira e corara. Sentiu-se um lindo gato, igual aqueles que ele já vira em revistas abandonadas junto aos caixotes do lixo de tampa azulada, meio desbotados ou parece-lhe um azul diferente do que conhece do céu. Gatos das senhoras c`est chic, escovados diariamente e que estão sempre dormitando ou em poses estudadas em suas elegantes poltronas, ornamentados com gargantilhas cintilantes ou laços de peruca. Suspirou vaidoso, imaginou-se gato charmoso.

Ela estendia um grande pano cinza, quase que ocultava a totalidade da varanda. Detestava ver qualquer que fosse o penduricalho que obstruísse a sua visão.
Mas naquela manhã eram olhos com olhos, ele fez-se grande, como transformado, alterado, não sabia. Pensou se o rabo de pescada que comera na noite anterior, lançado da janela do segundo andar do prédio do zé ervilha, que o enxota  sem vagar, teria lhe caído mal. Quem sabe estava podre e fizera com que perdesse peladas... ou teria ele perdido os bigodes e aquele olhar dela seria de compaixão por tamanho desgraçado? Não, não, ela estava com um olhar encantado. E aqueles minutos pareceram-lhe horas. E para seu maior espanto, ela acenara um adeus, sorrira de novo e abandonou a varanda num jeito elegante e sedutor.

(continua)