lá no cabeço talvez ainda permaneça alguma pedra, uma que seja, escondida entre as ervas os cardos e os dentes-de-leão, no lugar que foi um dia a morada do Homem do Saco.
naquela altura já não se lhe podia chamar de casa, era já uma ruína, não se decifrando as divisões, mas privilegiada por ser o sítio com a melhor vista sobre a Aldeia.
não sei bem se o Homem do Saco seria um madrugador, acordando ao primeiro raio da manhã. ao som do galo não seria certamente, para além dele, mais nenhum animal de quinta ocupava o terreno circundante à ruína. também não existia horta, nem poço. a jeito de explorador, descobria-se, ao sol do meio dia, entre as ervas daninhas e as urtigas o que fora um dia uma eira, povoada de fissuras num cimento estéril, saudoso das carícias do milho.
e ao mesmo meio dia ele batia à porta da nossa casa. vinha ao cheiro dos preparativos para o almoço que imagino irisar-lhe a pele coberta por serapilheiras presas por cordas coçadas.
a meus olhos, era um homem gigante, magro, barbudo, sujo e não usava sapatos. nos meus três, quatros anos, possuída pelo medo, escondida entre as pernas da minha mãe, avistava-lhe os joelhos encardidos, os pêlos fartos encaracolados descendo pelas canelas e a sola dos pés eram tão grossas, como umas botas de trabalho de sola anti-perfuração.
imóvel e sem proferir palavra, esperava pelo farnel, sem agradecimento ou expressão, enfiava-o na saca igualmente de serapilheira e seguia pela estrada de gravilha, sem dor, sem queixume.
e eu? eu fugia para o quarto, escondia-me entre a parede e o grande roupeiro. estava a chegar a hora da sopa e do Homem do Saco.
come já a sopa miúda! ou queres que chame o Homem do Saco!?
4 comentários:
E já comes a sopa?
e o que eu gosto de sopa!
já o Homem do Saco, nunca provei.
Creio que na lembrança de cada adulto existe uma versão do homem do saco, e este texto fez-me mergulhar na minha infância, e na sopa também.:))
Legionário, é sempre tão bom quando sabemos recordar...
Bj
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